Estética Transcendental - Espaço

Estética Transcendental – O Espaço – Crítica da Razão Pura – Parte 5

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Kant aborda vários conceitos, como já visto nas postagens anteriores, que devem ser bem compreendidos para concebermos de forma mais precisa o que está sendo demonstrado como um todo. Neste intento, exporemos, a partir do capítulo “Estética Transcendental do Espaço” da “Crítica da Razão Pura”, alguns conceitos chaves para compreensão da sua obra.
 
Assim, podemos iniciar abordando a sensibilidade que é “a capacidade de receber (a receptividade) representações dos objetos segundo a maneira como eles nos afetam […]” (p. 15) Não confundamos sensibilidade, com sentidos, pois a sensibilidade é “a priori”, faz parte da razão pura, é quem dá a forma aos objetos, pois dela fazem parte o espaço (perspectiva) e o tempo (existência). “[…] mas é pelo entendimento que elas (intuições) são pensadas, sendo dele que surgem os conceitos.” (p. 15) [grifo meu], o entendimento também é outra parte da razão pura, e da mesma forma que da sensibilidade fazem parte o espaço e o tempo, do entendimento fazem parte as categorias (quantidade, qualidade, relação e modalidade) para conceituação dos objetos.
 
“Todo pensamento deve em última análise, seja direta ou indiretamente, mediante certos caracteres, referir-se às intuições, e, conseguintemente, à sensibilidade, porque de outro modo nenhum objeto nos pode ser dado.” (p. 15), entende-se por intuição a espacialidade (tridimensionalidade) dos objetos e como o espaço faz parte da sensibilidade é por essa maneira que os objetos, enquanto espaciais, nos são apresentados, por algo que está dentro de nós mesmos, pois nós, enquanto seres humanos, somos dotados da sensibilidade em nossa razão e assim pomos a espacialidade nos objetos e os representamos em perspectivas. Por exemplo, em uma pintura, sabemos que é feita em 2D (bidimensional – altura e largura) não há profundidade, então como somos capazes de perceber a profundidade naquilo que não há? Justamente pela nossa intuição que está na sensibilidade espacial da nossa razão pura. Eis um exemplo:
 
Estética Transcendental Espaço

Estética Transcendental Espaço


“A
impressão de um objeto sobre esta capacidade de representações, enquanto somos por ele afetados, é a sensação.” (p. 15) Outro ponto importante é a sensação, pois esta é a impressão que temos dos objetos, está vinculada a experiência e é portanto “a posteriori”.

“Chama-se empírica toda intuição que relaciona ao objeto, por meio da sensação.” (p. 15) Intuição empírica está relacionada ao objeto e consequentemente a sensação que o objeto nos causa, pois não só depende do espaço da nossa sensibilidade como depende do objeto para lhe causar uma sensação. 
 
“O objeto indeterminado de uma intuição empírica, denomina-se fenômeno.” (p. 15) O fenômeno é a representação da minha sensibilidade no objeto que foi anteriormente por ele afetada (sensação), não confunda-se fenômeno com o objeto em si, por ser ele apenas a representação do que é para nós.
 
“No fenômeno chamo matéria àquilo que corresponde à sensação; aquilo pelo qual o que ele tem de diverso pode ser ordenado em determinadas relações, denomino “forma do fenômeno”. Como aquilo mediante o qual as sensações se ordenam e são suscetíveis de adquirir certa forma não pode ser a sensação, infere-se que a matéria dos fenômenos só nos pode ser fornecida “a posteriori”, e que a forma dos mesmos deve achar-se já preparada “a priori” no espírito para todos em geral, e que por conseguinte pode ser considerada independentemente da sensação.” (p. 15) O fenômeno é portanto um misto de matéria (sensação – “a posteriori”) e forma (independe da sensação – “a priori”), a matéria está relacionada ao que ele “é” enquanto objeto físico e a forma é a capacidade da sensibilidade de raciocinar este objeto como algo espacial, tridimensional.
 
“Toda a representação na qual não há traço daquilo que pertence à sensação chamo pura (em sentido transcendental). A forma pura das intuições sensíveis em geral, na qual todo o diverso dos fenômenos é percebido pela intuição sob certas relações, encontra-se “a priori” no espírito. Esta forma pura da sensibilidade pode ainda ser designada sob o nome de intuição pura. Assim, quando na representação de um corpo eu me abstraio daquilo que a inteligência pensa, como substância, força, divisibilidade etc., bem como daquilo que pertence à sensação, como a impenetrabilidade, a dureza, a cor etc., ainda me resta alguma coisa desta intuição empírica, a saber: a extensão e a figura. Estas pertencem à intuição pura, que tem lugar “a priori” no espírito, como uma forma pura da sensibilidade e sem um objeto real do sentido ou sensação.” (p. 15) Toda representação que não depende dos fenômenos, ou seja, da sensação para nos afetar, mas se encontra puramente na nossa razão, denomina-se intuição pura, diferente da intuição empírica que necessita que o objeto forneça a sensação para afetar a sensibilidade. Foi dito anteriormente que a forma não depende da sensação e é portanto “a priori”, conseguinte se tirarmos a impenetrabilidade, a dureza, a cor que pertencem ao fenômeno, resta-nos a forma pura, que não está relacionada a sensação, mas a sensibilidade da razão (“a priori”) e assim a denominamos intuição pura. Portanto a forma pura da sensibilidade é a intuição pura, ou seja, o espaço. Ou melhor a extensão e a figura que se revelam em minha razão “a priori”.
 
“Denomino Estética transcendental à ciência de todos os princípios “a priori” da sensibilidade. É pois esta ciência que deve constituir a primeira parte da teoria transcendental dos elementos, por oposição àquela que contém os princípios do pensamento puro e que se denominará Lógica transcendental.” (p. 16) Os princípios “a priori” da sensibilidade a que Kant se refere são o espaço (intuição pura) e o tempo.
 
“Na Estética transcendental, nós começaremos por isolar a sensibilidade, fazendo abstração de tudo quanto o entendimento aí acrescenta e pensa por seus conceitos, de tal sorte que só fique a intuição empírica. Em segundo lugar, separaremos, também, da intuição tudo o que pertence à sensação, com o fim de ficarmos só com a intuição pura e com a forma do fenômeno, que é a única coisa que a sensibilidade nos pode dar “a priori”. Resultará desta pesquisa que existem duas formas puras da intuição sensível, como princípios do conhecimento “a priori”, a saber: o espaço e o tempo, de cujo exame vamos agora ocupar-nos.” (p. 16) Fazem parte da nossa razão pura, a sensibilidade (espaço e tempo) e o entendimento (categorias), como abordado anteriormente, desta forma, se isolo a sensibilidade do entendimento, abstraindo-a das categorias resta-nos a intuição empírica, por ainda depender da sensação, mas se isolarmos a intuição empírica da sensação resta-nos a intuição pura, o espaço e o tempo que são as formas puras da intuição sensível (sensibilidade).
 
O espaço é uma dada grandeza infinita, o ser humano é finito, assim apreende uma parte do espaço (o que já é necessário para pôr espacialidade nos fenômenos), porém os fenômenos são representados apenas para nós, e não como o objeto em si.
 
“Por meio dessa propriedade de nosso espírito que é o sentido externo, nós nos representamos os objetos como estando fora de nós e colocados todos no espaço.” (p. 16) Porém os objetos enquanto nos parecem ser algo puramente externo, na verdade são uma participação da espacialidade que há dentro da nossa razão.
  
“O tempo não pode ser percebido exteriormente, assim como o espaço não pode ser considerado como algo interior em nós outros.” (p. 16) Sendo o espaço, uma dada grandeza infinita, o ser humano é participante desta grandeza, enquanto “pedaços”, pois o espaço não é um conceito, mas algo tão grande que é apenas absorvido em partes, e isso não afeta a espacialidade que a nossa sensibilidade coloca nos fenômenos. 
 
“Entendo por exposição a clara representação (ainda que não seja extensa) do que pertence a um conceito; a exposição é metafísica quando contém o que o conceito apresenta como dado “a priori”.” (p. 16) A exposição pertence ao conceito e consequentemente são “trabalhados” a sensibilidade (tempo e espaço) “a priori”, o entendimento (categorias) “a priori” e a sensação “a posteriori”, mas enquanto exposição metafísica está relacionada apenas a razão pura (sensibilidade e entendimento) “a priori”. A exposição e a exposição metafísica estão sendo abordadas para que possamos compreender mais à frente sobre o realismo empírico e o idealismo transcendental.
 
“O espaço não é um conceito empírico, derivado de experiências exteriores. Com efeito, para que eu possa referir certas sensações a qualquer coisa de exterior a mim (quer dizer, a qualquer coisa colocada em outro lugar do espaço diverso do que ocupo), e, para que possa representar as coisas como de fora e ao lado umas das outras, e por conseguinte como não sendo somente diferentes, mas colocadas em lugares diferentes, deve existir já em princípio a representação do espaço. Esta representação não pode, pois, nascer por experiência das relações dos fenômenos exteriores, sendo que estas só são possíveis mediante a sua prévia existência.” (p. 16 e 17) O espaço não depende da experiência “a posteriori”, por não ser empírico, pois a representação espacial não nasce na experiência, mas mediante a prévia existência do espaço na sensibilidade da razão pura “a priori”, quase que como algo inato ao ser humano, lembrando que os conhecimentos “a priori” se originam na experiência, mas dela não dependem. Assim podemos pressupor que no momento do nascimento, temos contato com a experiência e que a partir daí podemos pelo que há de puro em nossa razão conhecer os fenômenos.

O espaço é uma representação necessária, “a priori”, que serve de fundamento a todas as intuições externas. É impossível conceber que não exista espaço, ainda que se possa pensar que nele não exista nenhum objeto. Ele é considerado como a condição da possibilidade dos fenômenos, e não como uma representação deles dependente; e é uma representação “a priori”, que é o fundamento dos fenômenos externos.” (p. 17) O espaço é “a priori” por não depender dos fenômenos, mas por ser a condição da possibilidade do fenômeno enquanto algo espacial. O espaço é o fundamento dos fenômenos externos, é o que os faz ser representados para nós.

“[…] se segue que o que serve de base a todos os conceitos que temos do espaço, é uma intuição “a priori” (que não é empírica). A primitiva representação do espaço é, pois, uma intuição “a priori” e não um conceito.” (p. 17) Portanto o espaço é intuição “a priori”, ou seja, intuição pura.

“Entendo por exposição transcendental a aplicação de um conceito, como princípio que pode mostrar a possibilidade de outros conhecimentos sintéticos “a priori”. Ora, isso supõe duas coisas:

 

1 — que realmente emanem do conceito dado tais conhecimentos;

 

2 — que esses conhecimentos não sejam possíveis senão sob a suposição de um modo de explicação dado e tirado desse conceito.” (p. 17)

 

Mas essa intuição deve achar-se em nós, “a priori”, quer dizer, anteriormente a toda percepção de um objeto, e, por conseguinte, ser pura e não empírica.” (p. 18)

 

Como se encontra, pois, no espírito, uma intuição externa anterior aos mesmos objetos e na qual o conceito desses objetos pode ser determinado “a priori”? Isso só pode acontecer sob a condição de que ela tenha sua sede no sujeito, com a capacidade formal que ele tem de ser afetado por objetos e de receber assim uma representação imediata, quer dizer, uma intuição, por conseguinte como forma do sentido exterior em geral.” (p. 18)

O sujeito é afetado pelo objeto através da sensação e assim recebe uma representação (intuição imediata), assim há uma troca de representações e o objeto não se mostra como tal, mas apenas como uma representação da nossa sensibilidade. Sabe-se que para Kant, o objeto e o sujeito em si não são passíveis de conhecimento, mas temos apenas uma representação do objeto como ele se mostra a nós (REALISMO EMPÍRICO) e do sujeito como consciência da sensibilidade – espaço e tempo (IDEALISMO TRANSCENDENTAL).

 

Para melhor compreensão da representação, veja a imagem abaixo:

Idealismo Empírico Realismo Transcendental

O espaço não é mais do que a forma dos fenômenos dos sentidos externos, quer dizer, a única condição subjetiva da sensibilidade, mediante a qual nos é possível a intuição externa.” (p. 18) Só podemos conceber a espacialidade dos fenômenos, mediante a forma que deles há na sensibilidade. Entenda-se forma, como não-matéria, pois enquanto para Aristóteles era possível conhecer a coisa em si (substância = matéria + forma), para Kant este conhecimento não é possível, apesar de termos a forma como causa eficiente do fenômeno.
E como a propriedade do sujeito de ser afetado pelas coisas precede necessariamente a todas as intuições das mesmas, compreende-se facilmente que a forma de todos os fenômenos pode achar-se dada no espírito antes de toda percepção real, e, consequentemente,a priori”. Mas como seja uma intuição pura onde todos os objetos devem ser determinados, ela pode conter anteriormente a toda experiência os princípios de suas relações.” (p. 18) Assim a forma dos fenômenos está no sujeito antes mesmo da percepção real (empírica).
 
Nosso exame do espaço mostra-nos a sua realidade, quer dizer, o seu valor objetivo relativamente a tudo aquilo que se pode apresentar-nos como objeto; mas ao mesmo tempo, também, a idealidade do espaço relativamente às coisas consideradas em si mesmas pela razão, quer dizer, sem atender à natureza de nossa sensibilidade. Afirmamos, pois, a realidade empírica do espaço em relação a toda experiência externa possível; mas reconhecemos também a idealidade transcendente do mesmo, quer dizer, a sua não existência, desde o momento em que abandonamos as condições de possibilidade de toda experiência e cremos seja ele algo que serve de fundamento às coisas em si.” (p. 19) Ou seja, os objetos enquanto fenômenos são reais por serem empíricos (REALISMO EMPÍRICO), mas sabendo que os fenômenos são concebidos a partir da sensibilidade (espaço e tempo) abandonamos a experiência e cremos na sua idealidade como fundamento básico para a representação dos fenômenos (IDEALISMO TRANSCENDENTAL).
 
Neste último caso, com efeito, aquilo que não é originariamente senão um fenômeno, por exemplo, uma rosa tem, no sentido empírico, o valor de uma coisa em si, se bem que, quanto à cor, possa aparecer diferente aos diferentes olhos. Pelo contrário, o conceito transcendental dos fenômenos no espaço nos sugere esta observação crítica, de que em geral nada do que é intuído no espaço, é coisa em si; e, ainda, que o espaço não é uma forma das coisas consideradas em si mesmas, mas que os objetos não nos são conhecidos em si mesmos e aquilo que denominamos objetos exteriores consiste em simples representações de nossa sensibilidade cuja forma é o espaço, mas cujo verdadeiro correlativo, a coisa em si, permanece desconhecida e incognoscível, jamais sendo indagada da experiência.” (p. 19) Desta forma, nada que é intuído do espaço é coisa em si, os objetos exteriores são simples representações de nossa sensibilidade, cuja forma é o espaço, mas a coisa em si não pode ser conhecida.

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