Immanuel Kant aborda com muita propriedade, no texto ‘O Que É o Esclarecimento‘ (Aufklärung do alemão) a questão da menoridade humana, ou seja, a incapacidade racional de utilizar o próprio entendimento como fonte para o conhecimento. Pois a menoridade do ser humano no que diz respeito à capacidade de utilizar sua razão, é culpa estrita de sua falta de coragem e indecisão, pois todos são capazes de conhecer por si próprio sem o auxílio de outrem.
A preguiça e a covardia são algumas das causas que fazem o indivíduo aceitar os tutores (médicos, militares, sacerdotes, governantes) como alicerces do seu próprio entendimento e racionalidade. Para o ser humano, como afirma Kant “É tão cômodo ser menor.” Pois essa comodidade gera dependência e da dependência se origina o pensar através do entendimento do outro. Assim podemos utilizar de uma fonte não segura para termos nossos próprios conceitos, não que os conceitos do outro sejam incorretos ou maldosos, mas provém dele mesmo, não de mim como ser racional e capaz. Desta forma nos tornamos como pensadores daquilo que pensam por nós.
Devemos levar em consideração que a maioria dos indivíduos consideram à passagem a maioridade difícil e perigosa, não que ela seja por si mesma árdua, apesar de até certo ponto o ser, porém é inculcado nas massas que este laboro é enfadonho demais para ser buscado, portanto deve-se depender totalmente do que o outro já pensou. Além do ser humano se tornar incapaz no uso do seu próprio entendimento, ele estreita a capacidade de ampliação de certos conhecimentos, por não fazer uso da sua faculdade.
Não podemos desconsiderar que os tutores da “racionalidade” também vivem de certa forma na menoridade, prendem como em algemas os seres inanimados por eles gerados, são livres no que diz respeito ao uso público de sua razão, mas veiculam como algo a não ser utilizado, pois se todos fizessem uso da sua capacidade racional de forma “plena”, provavelmente não haveriam tutores, e disso eles sabem; não porque são capazes de utilizar sua razão acima dos outros, mas porque as massas são conduzidas sistematicamente dentro de uma sociedade (ocidental) que está acima do próprio uso da razão. Assim a liberdade do outro é limitada em favor de si mesmo.
Kant expõe dois aspectos importantes para nossa compreensão, o uso público e o uso privado da razão. O uso público é aquele que pode ser compartilhado para o mundo letrado, e o uso privado é utilizado especificamente em alguns cargos ou funções. O homem, portanto pode utilizar a sua razão mesmo tendo como obrigação obedecer a certas ordens, seja de uma comunidade eclesiástica, militar, política; pois ocorre que a sua obediência não demonstra a sua concordância com o ato cumprido, pois ele pode expor, a partir do uso do seu entendimento, esse ato como algo inconveniente e injusto.
Uma geração não deve ser escrava da outra em relação às suas concepções anteriores, e portanto, colocar este conhecimento numa caixa lacrada e imutável, mas propor a melhor forma de mudança e transformação, pois esta imutabilidade racional anterior, seria invalidar o uso racional e o avanço do ser humano para entendimento de determinado tema. Seria “[…] calcar aos pés os sagrados direitos da humanidade.”
Desta maneira, Kant considera mais pertinente demonstrar a questão religiosa, pois de certa forma ela impede o homem de fazer uso livre de sua razão, sabemos que existem os outros dispositivos sociais que impedem o homem de utilizar seu entendimento. Porém à religião compreende a obediência irrestrita a autoridade do clero. Portanto, o uso da razão para compreensão social e de si mesmo, deve ser feito em qualquer instância ou instituição, para devolver livremente ao homem o seu sagrado direito racional, que é a sua própria dignidade.
Deixe um comentário